Campi BorisBoris era redator de publicidade, dos melhores do mercado, premiado em festivais no Brasil e fora. E como todo publicitário bem sucedido, respirava e se alimentava de publicidade, sem hora pra voltar para casa, dar atenção para a família, o que já tinha custado mais de uma separação. Por outro lado, o ritmo de trabalho, sempre com algum desafio novo para criar, eventos, viagens, produções, compensava essas oscilações de relacionamentos e possíveis carências amorosas.
Mas a vida é uma colcha de retalhos tecidos pelos momentos. Tem os bons, os ótimos, os maus, os melhor esquecer, que vão sendo costurados, montados pelo destino, à nossa revelia.
A fase de ponta, na publicidade, havia passado e Boris tinha agora que lidar com a saída dos holofotes, fazendo trabalhos que pingavam aqui e ali, numa trilha paralela a que ele viveu no tapete vermelho. Nessa hora, a falta de uma companhia presente se faz mais sentida e naturalmente Boris se refugiou na escrita, sua companheira mais fiel de labuta.
Sua rotina foi se modificando na medida em que Boris mergulhava em escrever, sobre qualquer coisa, qualquer assunto. Começava logo que acordava, por volta das quatro da tarde, e varava a noite, madrugada, rodeado pelos seus personagens, seus enredos, problemas, diálogos, conflitos. A ponto de, nos raros momentos em que voltava para a vida real, confundir a presença dos personagens na sua roda de amigos.
Certa noite, Boris estava no seu quarto, sentado sobre a cama, costas apoiadas na cabeceira, como sempre. A solidão batia forte, um sentimento que saia denso, do peito direto para as teclas do lap apoiado sobre suas pernas. A madrugada corria fria, bem fria, e Boris resolveu esquentar com um queijo e vinho entre os seus personagens, uma reunião com os mais chegados, e claro, não poderia faltar Fernanda, sua musa amada.
Estava descrevendo o clima, a fumaça dos cigarros, música, quando ouviu um som vindo da sala. Achou estranho, um arrepio percorreu sua coluna enquanto calçava o Crocs verde para ver o que acontecia. Abriu a porta do quarto com cuidado, avançou pelo corredor já percebendo a nuvem de fumaça que brincava em volta do abajur. Ao entrar na sala, não acreditou, estavam todos lá, os vinhos, queijos, amigos.
– Mas o que está acontecendo??? Boris estava perplexo.
– Ué, estamos bebendo, comemorando a vida e o nosso mentor, respondeu Ale.
– Mas… mas… Boris não sabia o que dizer, eles estavam lá, todos. Todos?
Neste momento, Boris correu os olhos pela sala, e mesmo de costas, reconheceu Fernanda, na varanda, fumando enquanto olhava a noite. Na hora, foi em direção a ela.
– Fernanda, é você?
Fernanda virou-se e a visão dos seus olhos, boca, quase fez Boris derreter.
– Oi Boris, finalmente, queria muito te encontrar.
A conversa rolou por todo o resto da madrugada, fazia tempo que não se sentia tão bem, tão em paz. Fernanda era mais, muito mais do que havia idealizado, e sua vontade era ficar assim, ao lado de sua musa, eternamente.
O corpo de Boris foi encontrado por seu filho, dois dias depois, meio sentado, deitado, com a cabeça apoiada no braço do sofá. Garrafas vazias de vinhos permaneciam sobre a mesa, móveis, assim como os cinzeiros, cheios de pontas de cigarros, e restos de queijos sobre os pratos.